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quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Chorinho de Natal

Chorinho de Natal

 Ninfa Parreiras

 

choro do céu, choro de nuvens

derreteram nas janelas os sapatinhos

vazias, as botas arregalam léguas

 

sem capim, nem algodão

a manjedoura espia

os dias de dezembro

 

cada manhã, mais carros nas ruas

nas tardes, volumes nas calçadas

lojas empipadas de pix, pay pal, pixels

 

quando vai chegar o Menino?

onde estão os pastores

e seus animais

 

por onde andam os reis?

magros e perdidos

pelo Oriente

 

vamos re-nascer a infância

acender leves velas

alumiar o caminho

 

forrar o cocho

com folhas da mangueira

e musgos de quintal

 

choro seu, choro novo

derreteram as janelas

ficaram as soleiras, a sós


Foto: autoria desconhecida

 

Bem Brasileira

 



Bem brasileira

Ninfa Parreiras


A árvore de Natal

Brotou na palavra

Salpicada de sonhos


A árvore de Natal

Veio do Norte

Cantarolar violas

 

A árvore de Natal

Cresceu na esquina

Tintas madrugadas

 

A árvore de Natal

Emudeceu de susto

Gota de nascimentos

 

A árvore de Natal

Semeou do Sul

Escrita de estrelas

 

A árvore de Natal

Espalhou pelo Nordeste

Conversa de renascimentos

 

A árvore de Natal

Pingou no Centro-Oeste

Ventania de delicadezas

 

A árvore de Natal

Assoprou do Sudeste

Semente de alegria

 

Na árvore de Natal

Subiu o menino

De pique-pega

 

Quem saudou a criança?

Ela acabou de nascer

Em uma árvore de quintal

 

Milagre do nascimento

Da morte

Renascer do lodo

Fotos: arquivo pessoal, Primavera 2022, Porto Velho, Rondônia




Cosmo

 
Cosmo

               Ninfa Parreiras

vieram os pastores

o boi e o burro

mais os reis viajantes

 

um carpinteiro e

uma jovem mãe

de passagem

 

juntaram feno

na manjedoura

afofaram carinhos

 

na cabana

de mudas pedras

aconteceu o milagre

 

a estrela anunciou

o mistério

da vida

 

o rastro de fogo

tão só

tão cinza

 

o nascimento

da infância

do Cosmo

 (foto: arquivo pessoal, primavera, Niterói, 2022)

 

 

 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Dia de Cosme e Damião


Esses santos vieram do Oriente Médio, abençoam as crianças, os profissionais da saúde… 

Sofreram vários sincretismos por onde se deslocam. São metonímias da alegria, da brincadeira…

Dia de Cosme e Damião

             Ninfa Parreiras

Dá-me, bala

Dá-me, guloseima

São Cosme, São Damião


Dai aos médicos

Dai aos enfermeiros

A doçura da missão


Dá-me doces

Dá-me néctar

Ibejis abençoados


Gêmeos de Iansã e Xangô

das fontes brotam

dos risos nascem


Santi Cosme e Damiano

San Cosme y Damián

De La Rioja e Navarra


Dá-me beijinhos de coco

Dá-me maçã do amor

Cocadas e paçocas


Pés de moleques

De meninas e meninos 

Ibejis em pipocas e cucas

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Brotação de quase Primavera

poema pro Celso Poppe
foto: arquivo pessoal


 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Todo banco é sempre um banco à espera do nosso primeiro encontro

Todo banco é sempre um banco à espera do nosso primeiro encontro  

Ninfa Parreiras

Todo encontro nosso será sempre um primeiro. Ou o primeiro naquele banco. Ou o primeiro de tudo que se pode sentir e viver em um banco.

Todo encontro nosso será o último no banco escolhido, à espera

de tantos outros.

 

Depois daquele dia, os bancos sentados não são os mesmos de antes. 

Os bancos sentados nos esperam. De pé, atravessando a ponte, massageando os pés na areia da praia.

Escrevendo versos apaixonados que saltam o Oceano numa piscadela.

 

Olho pro banco e meu coração revira em bateria de escola de samba. 

Olho pro banco e inauguro uma folha que acabou de cair.

Olho pro banco e contorno todo seu corpo.

Olho pro banco e sou capturada…

 

Penso em você.

No banco gravado pela frase da Clarice, testemunha que nos olhou.

E ainda nos fotografou em plena brincadeira dos olhos.

 

O que terá pensado o banco diante de você e de mim naquele dia? O que nos dizia em segredo?

Continuo a me surpreender com cada banco que descubro.

Repete-se a surpresa do primeiro encontro.

“Sentada ali num banco, a gente não faz nada: fica apenas sentada deixando o mundo ser” (Clarice Lispector)

Este poema-banco é pro Celso Poppe

(Fotos: arquivo pessoal, 2022)



 

sábado, 2 de abril de 2022

A infância é a poesia da vida. A poesia é a infância do mundo - Boris A. Novak / Tradução Ninfa Parreiras


                 I

Os adultos escutam palavras, sem ouvi-las.

Os adultos lêem palavras, sem senti-las.

Os adultos pronunciam palavras, sem degustá-las.

Os adultos escrevem palavras, sem cheirá-las.

Quando os adultos conversam, não cuidam das palavras,

por isso as palavras se enfraquecem de solidão e tristeza.

Os adultos usam palavras, sem amá-las.

Assim as palavras se deformam e envelhecem.

 

As crianças são diferentes. As crianças brincam com as palavras.

A brincadeira conserta as palavras deformadas. A brincadeira

desenferruja as palavras velhas, devolvendo-lhes o brilho juvenil. A

brincadeira gera novas, incríveis, incrivelmente belas palavras.

 

As crianças escutam as palavras. As palavras são a música

das vozes humanas.

As crianças sentem as palavras: são moles? duras? redondas? pontiagudas?

As crianças degustam as palavras: são doces? salgadas? ácidas? amargas?

As crianças cheiram as palavras. As palavras são pólen sobre as flores das

coisas.

As crianças amam as palavras. Por isso, as palavras também amam

as crianças.

 

II

Os adultos observam cores, sem vê-las.

Os adultos percebem formas, sem compreender sua linguagem.

Os adultos vivem na luz e da luz, sem cuidarem dela.

Os adultos arrastam grandes sombras, sem brincar com elas.

Os adultos ocupam bastante (mas muito) espaço,

sem se assustarem uma única vez com sua imensidão.

 

Os adultos observam o mundo com os olhos fechados. Por isso o espaço

se reduz, as sombras morrem, a luz escurece, as cores empalidecem e as

formas emudecem.

As crianças são diferentes. As crianças contemplam o mundo com os

olhos abertos de par em par e admiram as coisas. As crianças brincam

com as cores e as formas. A brincadeira separa o pó das cores pálidas

e lhes devolve o brilho original.

A brincadeira gera novas, nunca vistas e incríveis,

incrivelmente belas formas.

 

As crianças vêem as cores. As cores são a infância da luz.

As crianças entendem a linguagem das formas: são suaves?

agudas? vivas? melancólicas?

As crianças sentem, as crianças respiram, as crianças vêem a luz invisível.

A luz é a mãe do mundo.

As crianças arrastam sombras pequenas, mas brincam com elas.

As sombras são cegas, por isso a luz as leva pela mão

como se fossem crianças.

As crianças admiram o espaço de sua imensa liberdade.

As crianças amam as pinturas.

Por isso as pinturas também amam as crianças.

 

III

Todo poeta é uma criança grande.

E toda criança é um pequeno poeta.

Todo pintor é um aprendiz grande. E toda criança é um pequeno pintor.

 

IV

Esta mensagem tem o temperamento de um poema, de uma ode à infinita

capacidade criativa das crianças. Contudo, lamentavelmente, não posso

concluí-la como um poema. Há muito sofrimento de crianças para poder

calá-lo. Por isso vou deformar o final deste poema. Por responsabilidade pelo

destino das crianças e pelo futuro deste, nosso único mundo.

 

Visitei Sarajevo durante a cruel ocupação daquela bela cidade. Em meio às

horríveis cenas de destruição que mais me comoveram e, por sua vez, me

alegraram, foram precisamente as crianças: eu as via por todas as partes, em

todas as esquinas, como brincavam, como corriam atrás da bola, como se

escondiam e perseguiam, e com pedaços de pau improvisados brincavam de

guerra. Inclusive durante os tiroteios, dos adultos, com absoluta seriedade.

Toda vez que observava isto, me dava calafrios, já que as posições mais

próximas dos franco-atiradores estavam distantes apenas cem ou duzentos

metros. E já se sabe com que frequência os franco-atiradores disparam para

estas pequenas cabecinhas! Esse crime é o mais infame e repugnante desta

guerra! Como é possível que um adulto conscientemente dirija a mira

telescópica para uma criança? Aqui se acaba o mundo! Retiveram-me sentimentos encontrados: junto ao temor por suas vidas compreendi a

profunda necessidade de brincar das crianças de Sarajevo. Depois de

milhares de dias de guerra, de milhares de noites escondidas em sótãos (para

as crianças todos os dias são infinitamente longos), o instinto infantil de mexer e brincar tinha prevalecido. Simplesmente tinham que sair para o

quintal e para a rua, correr e satisfazer sua necessidade de brincar!

 

Bem que eu mesmo quando criança (depois da Segunda Guerra Mundial)

muitas vezes “brinquei de guerra”. Eu me estremeci ao ver as brincadeiras

das crianças de Sarajevo, porque seus brinquedos, como sabemos, refletem

as relações da sociedade “adulta”, os rifles de madeira mostram a guerra em

toda sua crueldade! Que traumas levam as crianças de hoje que crescem na

guerra! Na Bósnia, Ruanda, Somália, no Oriente Médio, no Curdistão e na Chechênia.

 

Que esta mensagem sobre a criatividade das crianças conclua também como

uma defesa do direito fundamental à brincadeira. E como uma advertência

extremamente séria aos adultos, que transformam sua infância em inferno.

Vamos fazer tudo que está em nosso poder para que acabe o sofrimento das

crianças! Para que as crianças não amadureçam antes do tempo!

 

Disso depende o futuro deste, nosso único mundo.

 

Mensagem do Dia Internacional do Livro Infantil do IBBY - International Board on Books for Young People, 2 de abril de 1997, de autoria de Boris A. Novak, publicada e divulgada, no Brasil, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, seção brasileira do IBBY. Notícias nº 1, v.19, janeiro de 1997, traduzida, do inglês, por Ninfa Parreiras.