Seção: Teatro - 26/06/2012 09:10
Carolina Braga
Por parte de pai, romance de Bartolomeu Campos de Queirós, ganha duas adaptações para o palco
Monólogo e drama estreiam esta semana em Belo Horizonte
Quando procurado por interessados
em levar seus livros aos palcos, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós,
falecido em janeiro, tinha um discurso pronto. “Ele dizia: ‘Teatro é outra
coisa. Não entendo nada. Façam o que quiserem’”, conta o diretor Epaminondas
Reis. Se há algo que tal desapego revela é que a liberdade dada por Bartô a
seus seguidores funcionou como estímulo. Por
parte de pai é prova disso.
O romance lançado em 1995, que
conta a história da relação do neto com os avós, deu origem a dois projetos
teatrais, com equipes diferentes e propósitos também singulares, em cartaz
simultaneamente na cidade. A partir desta quarta-feira, estará em cartaz no
Teatro Alterosa Por parte de pai, o monólogo
da atriz Nathália Marçal, com direção de André Paes Leme. Já de sexta a
domingo, no Esquyna Espaço Coletivo Teatral, o grupo Atrás do Pano apresenta a
sua leitura para a trama de Bartô, com direção de Epaminondas Reis e
dramaturgia de Carlos Rocha.
Independentemente do resultado
das adaptações, se há algo que essa situação revela é o potencial ainda
inexplorado da obra do escritor. “Por
parte de pai é o primeiro livro em que ele assume a primeira pessoa. Acredito
que por causa disso o teatro favorece uma leitura sensível da obra. Ao falar na
primeira pessoa, ele torna aquela história mais viva. Dá sentimento ao que
escreve. O teatro faz exatamente isso: dá sentimento ao corpo”, analisa a
escritora e psicanalista Ninfa Parreiras.
Bartolomeu Campos de Queirós
tinha conhecimento das duas produções. A não ser o texto e o autor, as
montagens não têm nada em comum. A começar pelo formato: uma é monólogo e a
outra é resultado de trabalho de pesquisa de um grupo consolidado há mais de 20
anos.
Foi por sugestão da irmã que a
atriz Nathália Marçal leu Por parte de pai há cerca
de dois anos. Ainda durante a leitura, decidiu transportar a história para os
palcos. “Fui atrás do Bartolomeu, disse que era mineira e queria levar o texto
para o teatro. Ele me contou muitas histórias da família, tomamos vários cafés
juntos. Bartô abriu mesmo a obra dele”, lembra Nathália.
Carlos Rocha adaptou o texto de Bartô para a montagem do grupo
Atrás do Pano
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Ao convidar o diretor carioca
André Paes Leme para a empreitada de adaptar e dirigir o projeto, Nathália já
sabia que seria um monólogo. “Meu desafio era transpor para o teatro sem
torná-la uma peça dramática. É como levar as palavras do livro para o espectador,
mantendo a força que elas têm na página”, completa o diretor. Para ele, a
potência teatral contida na obra de Bartolomeu está principalmente no conjunto
de imagens que o autor cria e na construção das personagens.
“Ele consegue com muita poesia dizer
quem é essa criança, esse avô e essa avó falando das ações. É um texto
delicado, comovente e calmo. Nos dias de hoje, a escrita do Bartolomeu nos
coloca em outro tempo”, observa André Paes Leme. Sendo assim, o diretor prefere
dizer que fez antes uma organização de material do que propriamente uma
adaptação de Por parte de pai. “Não
existe uma palavra dita pela Nathália que não seja do livro”, assegura.
Mergulho Já o
processo vivido pelo grupo Atrás do pano e seus parceiros foi bem diferente.
Além do convite a Epaminondas Reis, do Grupo Trama, para dirigir o novo
trabalho, Carlos Rocha entrou no projeto especificamente para cuidar da
dramaturgia. “Qualquer obra é adaptável. Acho que depende mais do olhar de quem
quer encenar”, acredita Carlão. Antes de participar das etapas de criação
efetiva, ele mergulhou na obra de Bartô com a leitura de Indez e Ler, escrever e fazer conta de
cabeça.
“O primeiro movimento de
dramaturgia foi o de dar material para os atores”, conta. À medida que ia
adaptando, também sugeria que retomassem a leitura do livro enquanto criavam as
cenas. “Foi um trabalho exaustivo”, lembra. Embora os integrantes do grupo e o
diretor Epaminondas Reis tivessem encontros frequentes com Bartolomeu, Carlão
preferiu ouvir o autor depois que ele visse o resultado de seu trabalho, o que
infelizmente não foi possível com a morte do escritor.
Foi justamente nos encontros com
Bartô que Epaminondas Reis teve clara a percepção da relação particular que o
autor tinha do tempo. “Toda vez que eu entrava na sala de ensaio, pensava: a
gente não tem que sofisticar. Temos que bater um papo com a plateia. É o que
ele fazia com a gente. Sumia aquele grande escritor e aparecia o homem de
enorme carga poética e muita calma. Foi uma orientação para a direção”, afirma.
No
caminho de Ciganos
Apesar da coincidência do
presente, a obra de Bartolomeu Campos de Queirós já desperta o interesse das artes
cênicas há muito tempo. Ciganos, montagem
de 1992 do grupo Ponto de Partida, foi a primeira aproximação. “O que me atrai
é a força da linguagem poética dele. Bartô enche você de imagens e tem um
cuidado tão grande com a palavra que me estimula a encontrar imagens que tenham
a força da beleza da palavra dele”, elogia a diretora Regina Bertola, do Ponto
de Partida.
Ela lembra que, por ocasião da
montagem, o escritor esteve diversas vezes com o grupo, em Barbacena, e de cada
encontro saíram os fragmentos que complementaram a adaptação de Ciganos. “Quando fui pedir a autorização
ele só me fez um pedido: ‘Que seja lindo’”, recorda. Bartô não só gostou do que
viu, como também renovou a parceria com a companhia ao escrever Viva o povo brasileiro, uma das peças de maior
sucesso na trajetória do Ponto de Partida.
“Acho que toda a obra do
Bartolomeu se presta a várias leituras. É o encenador que vai reforçar aquela
que ele mais gosta e que tenha a ver com o que quer fazer. Como o Bartô dizia,
o sentido está em quem lê e não em quem escreve”, destaca Regina. Embora fosse
reconhecido como especialista em literatura infantojuvenil, Bartolomeu nunca
concordou com tal diferenciação. Suas obras eram sim escritas para ser lidas
por crianças, mas cada livro guardava também camadas filosóficas.
Para o dramaturgo Carlos Rocha,
não há duvida de que a transposição para o teatro descortina esse viés da
criação de Bartolomeu. “É obra profundamente reflexiva e poética”, sintetiza.
André Paes Leme concorda. “Não conhecia a literatura dele. Li e fiquei
extremamente comovido. Convida-nos a um retorno às nossas histórias. O
Bartolomeu faz isso com graça”, elogia.
Por
parte de pai
Com Nathália Marçal, direção de
André Paes Leme.Teatro Alterosa, Av. Assis Chateaubriand, 499, Floresta (31)
3237-6610. Quarta e quinta-feira, às 20h; sexta, às 21h. R$ 5 (inteira) e R$
2,50 (meia).
Grupo Atrás do Pano, direção de
Epaminondas Reis. Esquyna Espaço Coletivo Teatral, Rua Célia de Souza, 571
(esquina
com Rua João Gualberto Filho),
Sagrada Família, (31) 3542-8739). Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 19h. R$
10 (inteira) e R$ 5 (meia).