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sábado, 30 de junho de 2012

POR PARTE DE PAI NOS PALCOS DE BH


Seção: Teatro - 26/06/2012 09:10
Carolina Braga

Por parte de pai, romance de Bartolomeu Campos de Queirós, ganha duas adaptações para o palco

Monólogo e drama estreiam esta semana em Belo Horizonte

Quando procurado por interessados em levar seus livros aos palcos, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós, falecido em janeiro, tinha um discurso pronto. “Ele dizia: ‘Teatro é outra coisa. Não entendo nada. Façam o que quiserem’”, conta o diretor Epaminondas Reis. Se há algo que tal desapego revela é que a liberdade dada por Bartô a seus seguidores funcionou como estímulo. Por parte de pai é prova disso. 

O romance lançado em 1995, que conta a história da relação do neto com os avós, deu origem a dois projetos teatrais, com equipes diferentes e propósitos também singulares, em cartaz simultaneamente na cidade. A partir desta quarta-feira, estará em cartaz no Teatro Alterosa Por parte de pai, o monólogo da atriz Nathália Marçal, com direção de André Paes Leme. Já de sexta a domingo, no Esquyna Espaço Coletivo Teatral, o grupo Atrás do Pano apresenta a sua leitura para a trama de Bartô, com direção de Epaminondas Reis e dramaturgia de Carlos Rocha. 

Independentemente do resultado das adaptações, se há algo que essa situação revela é o potencial ainda inexplorado da obra do escritor. “Por parte de pai é o primeiro livro em que ele assume a primeira pessoa. Acredito que por causa disso o teatro favorece uma leitura sensível da obra. Ao falar na primeira pessoa, ele torna aquela história mais viva. Dá sentimento ao que escreve. O teatro faz exatamente isso: dá sentimento ao corpo”, analisa a escritora e psicanalista Ninfa Parreiras. 

Bartolomeu Campos de Queirós tinha conhecimento das duas produções. A não ser o texto e o autor, as montagens não têm nada em comum. A começar pelo formato: uma é monólogo e a outra é resultado de trabalho de pesquisa de um grupo consolidado há mais de 20 anos. 

Foi por sugestão da irmã que a atriz Nathália Marçal leu Por parte de pai há cerca de dois anos. Ainda durante a leitura, decidiu transportar a história para os palcos. “Fui atrás do Bartolomeu, disse que era mineira e queria levar o texto para o teatro. Ele me contou muitas histórias da família, tomamos vários cafés juntos. Bartô abriu mesmo a obra dele”, lembra Nathália. 

Carlos Rocha adaptou o texto de Bartô para a montagem do grupo Atrás do Pano

Ao convidar o diretor carioca André Paes Leme para a empreitada de adaptar e dirigir o projeto, Nathália já sabia que seria um monólogo. “Meu desafio era transpor para o teatro sem torná-la uma peça dramática. É como levar as palavras do livro para o espectador, mantendo a força que elas têm na página”, completa o diretor. Para ele, a potência teatral contida na obra de Bartolomeu está principalmente no conjunto de imagens que o autor cria e na construção das personagens. 

“Ele consegue com muita poesia dizer quem é essa criança, esse avô e essa avó falando das ações. É um texto delicado, comovente e calmo. Nos dias de hoje, a escrita do Bartolomeu nos coloca em outro tempo”, observa André Paes Leme. Sendo assim, o diretor prefere dizer que fez antes uma organização de material do que propriamente uma adaptação de Por parte de pai. “Não existe uma palavra dita pela Nathália que não seja do livro”, assegura.

Mergulho Já o processo vivido pelo grupo Atrás do pano e seus parceiros foi bem diferente. Além do convite a Epaminondas Reis, do Grupo Trama, para dirigir o novo trabalho, Carlos Rocha entrou no projeto especificamente para cuidar da dramaturgia. “Qualquer obra é adaptável. Acho que depende mais do olhar de quem quer encenar”, acredita Carlão. Antes de participar das etapas de criação efetiva, ele mergulhou na obra de Bartô com a leitura de Indez e Ler, escrever e fazer conta de cabeça. 

“O primeiro movimento de dramaturgia foi o de dar material para os atores”, conta. À medida que ia adaptando, também sugeria que retomassem a leitura do livro enquanto criavam as cenas. “Foi um trabalho exaustivo”, lembra. Embora os integrantes do grupo e o diretor Epaminondas Reis tivessem encontros frequentes com Bartolomeu, Carlão preferiu ouvir o autor depois que ele visse o resultado de seu trabalho, o que infelizmente não foi possível com a morte do escritor. 

Foi justamente nos encontros com Bartô que Epaminondas Reis teve clara a percepção da relação particular que o autor tinha do tempo. “Toda vez que eu entrava na sala de ensaio, pensava: a gente não tem que sofisticar. Temos que bater um papo com a plateia. É o que ele fazia com a gente. Sumia aquele grande escritor e aparecia o homem de enorme carga poética e muita calma. Foi uma orientação para a direção”, afirma.

No caminho de Ciganos 

Apesar da coincidência do presente, a obra de Bartolomeu Campos de Queirós já desperta o interesse das artes cênicas há muito tempo. Ciganos, montagem de 1992 do grupo Ponto de Partida, foi a primeira aproximação. “O que me atrai é a força da linguagem poética dele. Bartô enche você de imagens e tem um cuidado tão grande com a palavra que me estimula a encontrar imagens que tenham a força da beleza da palavra dele”, elogia a diretora Regina Bertola, do Ponto de Partida. 

Ela lembra que, por ocasião da montagem, o escritor esteve diversas vezes com o grupo, em Barbacena, e de cada encontro saíram os fragmentos que complementaram a adaptação de Ciganos. “Quando fui pedir a autorização ele só me fez um pedido: ‘Que seja lindo’”, recorda. Bartô não só gostou do que viu, como também renovou a parceria com a companhia ao escrever Viva o povo brasileiro, uma das peças de maior sucesso na trajetória do Ponto de Partida. 

“Acho que toda a obra do Bartolomeu se presta a várias leituras. É o encenador que vai reforçar aquela que ele mais gosta e que tenha a ver com o que quer fazer. Como o Bartô dizia, o sentido está em quem lê e não em quem escreve”, destaca Regina. Embora fosse reconhecido como especialista em literatura infantojuvenil, Bartolomeu nunca concordou com tal diferenciação. Suas obras eram sim escritas para ser lidas por crianças, mas cada livro guardava também camadas filosóficas. 

Para o dramaturgo Carlos Rocha, não há duvida de que a transposição para o teatro descortina esse viés da criação de Bartolomeu. “É obra profundamente reflexiva e poética”, sintetiza. André Paes Leme concorda. “Não conhecia a literatura dele. Li e fiquei extremamente comovido. Convida-nos a um retorno às nossas histórias. O Bartolomeu faz isso com graça”, elogia. 

Por parte de pai
Com Nathália Marçal, direção de André Paes Leme.Teatro Alterosa, Av. Assis Chateaubriand, 499, Floresta (31) 3237-6610. Quarta e quinta-feira, às 20h; sexta, às 21h. R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia).  

Grupo Atrás do Pano, direção de Epaminondas Reis. Esquyna Espaço Coletivo Teatral, Rua Célia de Souza, 571 (esquina 
com Rua João Gualberto Filho), Sagrada Família, (31) 3542-8739). Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 19h. R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).