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domingo, 15 de dezembro de 2013

Carta ao meu filho

Carta ao meu filho:
O que escrever ao filho que completa quinze anos? Que vida é esta? Quais os meus desejos para você? Para o presente, o futuro...
Você chegou em um janeiro ensolarado. Um Rio de Janeiro de praias. A cidade se calava com tantos batuques e jogos.  Quem te recebeu nas mãos pela primeira vez, me disse: nasceu um anjo, seu filho quase voa. Pronto: Ícaro ia se chamar. Uma homenagem àquele que chegou (quase) voando, para vencer os obstáculos. Para a superação. Mel de abelha e penas de gaivota fizeram belas asas para que Ícaro saísse do labirinto de Creta e ganhasse a vida aqui fora.
Entre o mar que poderia pesar as asas e o sol que poderia derreter a cera, Ícaro voa, para se salvar e transpor as limitações humanas. Encanta-se com a proximidade ao sol. Brilho da luz, calor. Engana-se com a sua capacidade de voo. Despenca-se no mar Egeu. Nada mais humano. Nada mais revelador da tentativa de ir além.
Seria isso a adolescência? Um querer ir além, transgredir, experimentar... Você esticou de tamanho, ganhou as ruas de bicicleta, o ir e vir sozinho pelos calçadões, pelas areias. Os colegas, os grupos de amigos, o desfrutar a vida de maneira solta. Vieram mais responsabilidades, passou para a última etapa do colégio.
Suas asas continuam te levando para espaços diferentes, com as mesmas penas e a cera com as quais nasceu. Cabe a você cuidar das penas, no sol e na chuva. Não podem ficar tão molhadas pelas tempestades nem tão suadas de calor. A cera precisa ser lustrada. Esse cuidado é diário, com o corpo, a pele, os pensamentos, os sonhos, a alma.
A liga de penas e cera precisa ser mantida por você, com um olhar sobre essa cola que ata a vida das asas à vida dos pés. A vida dos sonhos à vida da realidade. É só uma vida, certo! Há uma medida sutil, mas intensa, que sustenta sua paixão pelas pessoas, pelas coisas. Seus sonhos. Cuide dela, são suas asas!
Sua mãe
Rio de Janeiro, dezembro 2013/janeiro 2014.

pintura: Lucilio de Albuquerque (1877-1939)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Poesia no Parque dezembro 2013


Vendo

Vendo

uma folha de papel
para a sua história

um sopro de sementes
para o seu quintal

uma vagem de grãos
para a sua sopa

uma rede de fibras
para o seu sono

vendo o vento


pro Wladimir

foto: arquivo pessoal, Casa Branca, primavera 2013

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Vamos escutar o Silêncio?

Vamos escutar o Silêncio?

Vamos escutar o silêncio
Que cor tem ele?
As folhas são todas verdes?
As nuvens todas brancas?
O mar é sempre prata?

Vamos saborear o silêncio
Que som ele tem?
Os pássaros são todos cantores?
As buzinas todas irritadas?
A gota é sempre silenciosa?

Vamos tocar o silêncio
Que sabor ele tem?
Os limões são todos ácidos?
As laranjas todas doces?
O sal é sempre salgado?

Vamos cheirar o silêncio
Que forma ele tem?
As ondas são todas espumosas?
As jabuticabas todas esféricas?
A chuva cai sempre em pé?

Vamos olhar o silêncio
Que cheiro ele tem?
As pimentas são todas ardidas?
Os perfumes todos secos?
O maracujá é sempre azedo?

Vamos viver o silêncio
Deixar a voz das pedras
Silenciarem minha fala
Deixar a rouquidão da maré 
Falar a sua mudez

Vamos de silêncio
Sem pressa
Cessar o excesso
Dar voz ao nada
Contemplar a escuridão

pra: Dafne, Ícaro, Lice e os meus amigos todos

foto: arquivo pessoal, Veneza, inverno 2013